sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Relação entre os Mítos e o Evangelho de João

Segundo Hesíodo, o Caos é o ser primordial e dele surgem todas as coisas do kósmos e que estão organizadas segundo sua própria physis (natureza). Nós traduzirmos Caos por confusão e desordem e, com isso, afirmamos um paradoxo, haja em vista que o kósmos é ordeiro e não desorganizado. De Caos vem a ideia do ápeiron, o infinito que se estende em todas as direções gerando todos os deuses, como Eros, o mais belo de todos; Gaia (a terra); Tártaro, o tenebroso; Nix, a noite e Eter, irmã de Hemera, o dia. Éter nos trará o conceito de eternidade, como um deus que gera as coisas eternas, e não podem deixar de existir. (Não podemos confundir este conceito com a ideia ensinada pelos teólogos cristãos). Para os gregos, eternidade é o estado natural do kósmos (o mundo), já que surge do infinito e gira circularmente até o infinito, eternamente... Assim é, por que todas as coisas são feitar de éter, inclusive, o πνεῦμα (pneuma / espírito), o ar, que dará origem ao conceito de Ψυχή (psique / alma), também feita de éter, imortal, que não pode deixar de existir. Ambas (pneuma e psique) possuem a physis (natureza) da eternidade.

Padovani e Castagnola afirmam que pelo fato de ser uma religião, uma sabedoria, o cristianismo pressupõe uma específica concepção do mundo e da vida, o que é um fator de integração com a filosofia, além de implicar uma elucidação e sistematização racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, mediante uma disciplina específica, que é a teologia dogmática. O teísmo herdado dos hebreus, por exemplo, não tem uma justificativa racional, como em Aristóteles, e é da grande tradição especulativa grega que o pensamento cristão tomará essa justificativa.  (ATAIDE, 2009)

A riqueza do Evangelho nos leva aos arcanos da filosofia grega, pois o Logos cristão tem seus primórdios no logos helênico. Antes de João os pré-socráticos trabalharam a conceituação em termos filosóficos, permitindo que a antítese surgisse primeiro que a tese. O logos de Heráclito vem do ápeiron de Anaximandro, e seu ápeiron vem do Caos de Hesíodo, que dá origem a éter, donde surge o pneuma, o ar, o vento, o hálito, a alma, aquilo que anima e vivifica, dando sinais de vida. Os saltos conceituais se agigantam de um ao outro, e quando vem para o Evangelho ganham o revestimento da sabedoria cristã, presente em o Novo Testamento pela autoridade dos apóstolos de Jesus Cristo. Os filósofos cristãos se veem com um riquíssimo material de investigação, tendo como base os arquétipos dos filósofos gregos: o pneuma vindo do éter, surgindo do ápeiron se parece com o Espírito vindo eternamente de Deus.

ÉTEREste termo, que Empédocles usou como equivalente a ar e Anaxágoras como equivalente a fogo, foi empregado por Aristóteles para indicar a substância que compõe os céus e que, por não ser gerada, por ser incorruptível e inalterável, distingue-se dos quatro elementos que constituem as coisas sublunares. Aristóteles atribui o uso desse termo, que considera o mais adequado para indicar os céus como sede da divindade, a uma tradição muito antiga: "Os homens, querendo indicar que o primeiro corpo é algo diferente da terra, do fogo, do ar e da água, chamaram a região superior pelo nome de Éter, pelo fato de 'sempre correr' para a eternidade do tempo”. (ABBAGNANO, 2007)

Anaximandro fala em ápeiron. Anaxímenes fala em pneuma. Ambos conjugam a ideia do espírito infinito, portanto, um ar que sopra eternamente desde sempre e para sempre não podendo jamais deixar de se movimentar e que movimenta todas as coisas. Esta herança vem a Heráclito, que poderia tratar estes conceitos seguindo a metodologia de Parmênides (540-485 A.C), eliminando a contradição dos contrários, ou aceitando a polêmica como método de pensamento. Parmênides queria por um fim ao caos, pelo método da não-contradição e pelo princípio de identidade. Em sua filosofia, “o ser e o não ser formam uma antítese inconciliável”. Não podemos dizer que o ser é o não ser ou que o não ser é o ser. Sua lógica impõe o princípio da não-contradição.

Parmênides
Junto com o princípio da identidade, Parmênides também afirmou outro principio lógico: o princípio da não contradição, ou, como alguns preferem chamar, o princípio da contradição. O que esse princípio afirma? Quem ninguém pode pensar a identidade dos contrários. Algo que nega a si mesmo se autodestrói, desparece, deixa de existir. Não é possível pensar algo que é, ao mesmo tempo, o contrário de si mesmo.  (MADUREIRA, 2008)


Heráclito
Parmênides é um lógico! Ele dizia que não podemos afirmar e negar a mesma coisa. Ou afirmamos ou negamos. Já Heráclito afirmava o oposto. Dizia que as coisas possuem dois polos, contraditórios e verdadeiros, inseparáveis e necessários, que são e não são ao mesmo tempo. O culpado é vitima e a vítima é culpada. Com esta “lógica” estabelecemos a polêmica, ou seja, sustentamos os dois polos ao mesmo tempo, conferindo validade aos dois lados contraditórios de uma questão.


A lógica de Parmênides exclui a contradição, mas a de Heráclito mantém. E João utiliza-se do método heracliano para apresentar o Logos, contraponto arché (princípio) com Logos (Palavra) e Theós (Deus). Faz os trocadilhos dos verbos “era” com “estava”, demonstrando que Jesus possuía entidade (era o Logos), autenticidade (estava com Deus) e identidade (era Deus). João polemizou afirmando que o Logos possui identidade divina. Isto é contraditório, afinal, Deus não pode ser identificado com o logos ou com qualquer outra manifestação do visível ou invisível. Os muçulmanos entenderam isto, assim, repudiam qualquer aproximação entre Deus e a criação. Qualquer sinal de identificação constitui-se em idolatria (shirk). A polêmica do Evangelho aumenta ainda mais ao dizer que “o logos se fez carne”. Isto era impensável aos gregos! O logos universal não pode se particularizar em um único ser. Não pode diminuir sua infinitude em um corpo finito, pois a carne não suporta o logos. Mas a fé cristã assume a contradição como metodologia para sua base doutrinária.

Obras Citadas

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ATAÍDE, G. Filosofia grega e teologia cristã. Perfeição, 2009. Disponivel em: <http://glauberataide.blogspot.com.br/2009/04/filosofia-grega-e-teologia-crista.html>. Acesso em: 15 Dezembro 2016.
MADUREIRA, J. Curso Vida Nova de Teologia Básica. São Paulo: Vida Nova, 2008.


Nenhum comentário:

Postar um comentário