Segundo Hesíodo, o Caos é o ser primordial e dele
surgem todas as coisas do kósmos e
que estão organizadas segundo sua própria physis
(natureza). Nós traduzirmos Caos por confusão e desordem e, com
isso, afirmamos um paradoxo, haja em vista que o kósmos é ordeiro e não desorganizado. De Caos vem a ideia do ápeiron,
o infinito que se estende em todas as direções gerando todos os deuses, como Eros, o mais belo de todos; Gaia (a terra); Tártaro, o tenebroso; Nix,
a noite e Eter, irmã de Hemera, o dia. Éter nos trará o conceito de eternidade,
como um deus que gera as coisas eternas, e não podem deixar de existir.
(Não podemos confundir este conceito com a ideia ensinada pelos teólogos cristãos). Para os gregos,
eternidade é o estado natural do kósmos
(o mundo), já que surge do infinito e gira circularmente até o infinito,
eternamente... Assim é, por que todas as coisas são feitar de éter, inclusive, o πνεῦμα (pneuma
/ espírito), o ar, que dará origem ao conceito de Ψυχή
(psique / alma), também feita
de éter, imortal, que não pode deixar
de existir. Ambas (pneuma e psique) possuem a physis (natureza) da eternidade.
Padovani
e Castagnola afirmam que pelo fato de ser uma religião, uma sabedoria, o
cristianismo pressupõe uma específica concepção do mundo e da vida, o que é um
fator de integração com a filosofia, além de implicar uma elucidação e
sistematização racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, mediante
uma disciplina específica, que é a teologia dogmática. O teísmo herdado dos
hebreus, por exemplo, não tem uma justificativa racional, como em Aristóteles,
e é da grande tradição especulativa grega que o pensamento cristão tomará essa
justificativa.
(ATAIDE, 2009)
A riqueza do Evangelho nos leva aos
arcanos da filosofia grega, pois o Logos
cristão tem seus primórdios no logos
helênico. Antes de João os pré-socráticos trabalharam a conceituação em termos
filosóficos, permitindo que a antítese
surgisse primeiro que a tese. O logos de Heráclito vem do ápeiron de Anaximandro, e seu ápeiron vem do Caos de Hesíodo, que dá origem a éter, donde surge o pneuma,
o ar, o vento, o hálito, a alma, aquilo que anima e vivifica, dando sinais de
vida. Os saltos conceituais se agigantam de um ao outro, e quando vem para o Evangelho
ganham o revestimento da sabedoria cristã, presente em o Novo Testamento pela
autoridade dos apóstolos de Jesus Cristo. Os filósofos cristãos se veem com um
riquíssimo material de investigação, tendo como base os arquétipos dos
filósofos gregos: o pneuma vindo do éter, surgindo do ápeiron se parece com o Espírito vindo eternamente de Deus.
ÉTER. Este termo, que Empédocles usou como equivalente a ar e
Anaxágoras como equivalente a fogo, foi empregado por Aristóteles para indicar
a substância que compõe os céus e que, por não ser gerada, por ser
incorruptível e inalterável, distingue-se dos quatro elementos que constituem
as coisas sublunares. Aristóteles atribui o uso desse termo, que considera o
mais adequado para indicar os céus como sede da divindade, a uma tradição muito
antiga: "Os homens, querendo indicar que o primeiro corpo é algo diferente
da terra, do fogo, do ar e da água, chamaram a região superior pelo nome de Éter, pelo fato de 'sempre correr' para
a eternidade do tempo”. (ABBAGNANO, 2007)
Anaximandro fala em ápeiron. Anaxímenes fala em pneuma. Ambos conjugam a ideia do
espírito infinito, portanto, um ar que sopra eternamente desde sempre e para
sempre não podendo jamais deixar de se movimentar e que movimenta todas as
coisas. Esta herança vem a Heráclito, que poderia tratar estes conceitos
seguindo a metodologia de Parmênides (540-485 A.C), eliminando a contradição
dos contrários, ou aceitando a polêmica como método de pensamento. Parmênides
queria por um fim ao caos, pelo
método da não-contradição e pelo princípio de identidade. Em sua
filosofia, “o ser e o não ser formam
uma antítese inconciliável”. Não podemos dizer que o ser é o não ser ou que o não
ser é o ser. Sua lógica
impõe o princípio da não-contradição.
Parmênides |
Junto com o
princípio da identidade, Parmênides também afirmou outro principio lógico: o
princípio da não contradição, ou, como alguns preferem chamar, o princípio da
contradição. O que esse princípio afirma? Quem ninguém pode pensar a identidade
dos contrários. Algo que nega a si mesmo se autodestrói, desparece, deixa de
existir. Não é possível pensar algo que é, ao mesmo tempo, o contrário de si
mesmo. (MADUREIRA, 2008)
Heráclito |
Parmênides é um lógico! Ele dizia que não podemos afirmar e negar
a mesma coisa. Ou afirmamos ou negamos. Já Heráclito afirmava o oposto. Dizia
que as coisas possuem dois polos, contraditórios e verdadeiros, inseparáveis e
necessários, que são e não são ao mesmo tempo. O culpado é vitima e a vítima é
culpada. Com esta “lógica” estabelecemos a polêmica, ou seja, sustentamos os
dois polos ao mesmo tempo, conferindo validade aos dois lados contraditórios de
uma questão.
A
lógica de Parmênides exclui a contradição, mas a de Heráclito mantém. E João
utiliza-se do método heracliano para apresentar o Logos, contraponto arché
(princípio) com Logos (Palavra) e Theós
(Deus). Faz os trocadilhos dos verbos “era” com “estava”, demonstrando que
Jesus possuía entidade (era o Logos),
autenticidade (estava com Deus) e identidade (era Deus). João polemizou
afirmando que o Logos possui identidade
divina. Isto é contraditório, afinal, Deus não pode ser identificado com o logos ou com qualquer outra manifestação
do visível ou invisível. Os muçulmanos entenderam isto, assim, repudiam
qualquer aproximação entre Deus e a criação. Qualquer sinal de identificação
constitui-se em idolatria (shirk). A polêmica do Evangelho aumenta ainda mais
ao dizer que “o logos se fez carne”.
Isto era impensável aos gregos! O logos
universal não pode se particularizar em um único ser. Não pode diminuir sua
infinitude em um corpo finito, pois a carne não suporta o logos. Mas a fé cristã assume a contradição como metodologia para
sua base doutrinária.
Obras Citadas
Obras Citadas
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5ª. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ATAÍDE, G.
Filosofia grega e teologia cristã. Perfeição, 2009. Disponivel em:
<http://glauberataide.blogspot.com.br/2009/04/filosofia-grega-e-teologia-crista.html>.
Acesso em: 15 Dezembro 2016.
MADUREIRA, J.
Curso Vida Nova de Teologia Básica. São Paulo: Vida Nova, 2008.
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