domingo, 8 de janeiro de 2017

A polêmica sobre a infinitude de Deus

     
Art. 1 — Se Deus é infinito.
O primeiro discute-se assim. — Parece que Deus não é infinito. 
1. — Pois, todo infinito é imperfeito, porque implica as características de parte e de matéria, como diz Aristóteles. Ora, Deus é perfeitíssimo. Logo, não é infinito. 
2. Demais. — Segundo o Filósofo, finito e infinito se referem à quantidade. Ora, Deus, não sendo corpo, não tem quantidade, como já se demonstrou. Logo, não é infinito.
3. Demais. — O que está em um lugar porque não está em outro é localmente finito; e, portanto, de substância finita também há de ser o que é uma coisa, por não ser outra. Ora, Deus é o que é e não outro ser, pois não é pedra, nem madeira. Logo, não é de substância infinita. (AQUINO, 2016)

Por definição, o ápeiron se estende infinitamente à frente da possibilidade de ser conhecido, impedindo Deus de conhecer seu fim, portanto, sendo maior que Deus. Se o infinito é maior que Deus, Deus é finito e não pode ser Deus. Esta lógica propõe uma aporia, um raciocínio circular que não permite ir além dele mesmo. O contraponto ao ápeiron seria πέρας (peras), ou seja, limite, fronteira, fim. Se aplicarmos πέρας a Deus, estamos limitando-o. Se aplicarmos ἄπειρον, entramos em aporia e ficamos em círculos.

APORIA. Esse termo é usado no sentido de dúvida racional, isto é, de dificuldade inerente a um raciocínio, e não no de estado subjetivo de incerteza. É, portanto, a dúvida objetiva, a dificuldade efetiva de um raciocínio ou da conclusão a que leva um raciocínio. P. ex., "As A. de Zenão de Eléia sobre o

movimento".  (ABBAGNANO, 2007)


Deus só pode ser Deus se ele conhecer a si mesmo. Só pode ser conhecido aquilo que possui limites. Deus é Deus por que conhece tudo sobre todas as coisas, inclusive, a si mesmo. Mas ao conhecer-se a si mesmo, Deus se limita, portanto, não é infinito. Se for finito não pode ser Deus, pois Deus não pode ser limitado por nada, nem mesmo pelo infinito. Se Deus conhece o infinito, significa que o infinito não existe, portanto, tudo é finito, inclusive Deus.  

           
O infinito, quando aplicado a Deus, nos leva ao ateísmo, já que não o infinito é maior que Deus sem ser Deus, logo, Deus não existe. Este é o poder que o pensamento filosófico produz no raciocínio humano, e contrasta com o senso comum, ou seja, aquela opinião generalizada entre o povo acrítico.

SENSO COMUM. Aristóteles designou com esta expressão a capacidade geral de sentir, à qual atribuiu duas funções: 1- constituir a consciência da sensação, que é o "sentir o sentir", porquanto tal consciência não pode pertencer a um órgão especial do sentido, como, p. ex., à visão ou ao tato. 2- perceber as determinações sensíveis comuns a vários sentido, como o movimento, o repouso, o aspecto, o tamanho, o número e a unidade. Essa noção foi admitida também pelos estoicos, que atribuíam ao S. comum as mesmas funções. Retomada por Avicena, passou para a escolástica medieval e mais tarde também foi comumente aceita por todos os aristotélicos e pelos escritores que se inspiraram de algum modo na psicologia aristotélica.  (ABBAGNANO, 2007)

O senso comum não se presta a depurar o pensamento de suas contradições. É simplista, baseando-se em afirmações arbitrárias e não se preocupa com o irracionalismo de suas proposições. Se levarmos o senso comum e suas “verdades” até as últimas consequências, ficaremos rodeando o círculo vicioso das aporias, nunca avançando para além deste senso. Tomás de Aquino nos grita aos ouvidos contra o doxa do infinito, chamando-nos para um refinamento teológico-filosófico além do senso comum da cristandade.

Mas o conceito de infinito não surgiu em Aquino, e sim, entre os pré-socráticos, tendo em Anaximandro (610-547 A.C) um realce filosófico. Nele o ápeiron se manifesta de forma primordial, como ar e água, depois se transmutando em elementos mais sólidos. Depois dele temos Heráclito com sua metodologia de polemizar o ser e não ser de todas as coisas. Sua doutrina do logos é uma evolução do ápeiron, pois surge do indefinido, e nos remonta até Hesíodo (séc. VIII A.C.), o autor da teogonia e a origem dos deuses.


Obras Citadas

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

AQUINO, T. D. Permanência Internet. Permanênica, 2016. Disponivel em: <http://permanencia.org.br/drupal/node/179>. Acesso em: 13 dezembro 2016.

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