terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Princípios de Espiritualidade e de Religiosidade

Mas, o que é, e como é, esse numinoso em si, objetivo, sentido fora de mim? Como ele é irracional, ou seja, não pode ser explicitado em conceitos, somente poderá ser indicado pela reação especial de sentimento desencadeado na psique: “Sua natureza é do tipo que arrebata e move uma psique humana com tal e tal sentimento”. Esse sentimento específico precisou tentar sugerir pela descrição de sentimentos afins correspondentes ou contrastantes.  (OTTO, 2007)

Afrodite
Os gregos elaboraram uma ideia numinosa do mundo espiritual. Através de seus mitos, podemos entender a espiritualidade como primordial sobre tudo. A Psique, por exemplo, é irmã gêmea de outras duas desconhecidas. Isto nos faz pensar na lenda das almas gêmeas, das pessoas que se entranham em relações siamesas e não conseguem se desprender jamais, ou vivem em constante inveja uma da outra, pois Psique é a mais bela das irmãs. Sua beleza ameaça Afrodite e incita a inveja da deusa, criando uma trama que torna Psique uma prisioneira no paraíso de Eros, o deus do amor. Mas Eros não faz o mesmo com o pneuma (o espírito). Há um dualismo entre alma e espírito, sendo que a primeira cai e se conforma com os confortos do amor, mas o espírito é augusto e não se relaciona com o Eros. 

O Pneuma se relaciona com nous (a mente), com o ápeiron (infinito) e o éter. Suas categorias relacionais exigem eternidade, infinitude e mentoração. O espírito vem do infinito e se lança ao infinito, animado pelo éter, aquele elemento etéreo imortalizador, propulsor da vida eterna, aquela que se completa em si mesma. O pneuma é infinito e impõe ao humano o dever de escolher a numinosidade do éter ou a opacidade da existência religiosa psíquica.

A numinosidade é um Intensitätfaktor. Corresponde à intensidade com a qual uma representação apodera-se do consciente e faz sentido para ele. Ela é, portanto sinal de um fenômeno energético. Um símbolo que tem a capacidade de animar a vida e arrastá-la, por que transforma uma energia psíquica inconsciente em experiência. (ELIE, 1985)

A religiosidade pode até possuir uma engenharia com aparência espiritual, mas todo seu programa tem prazo de validade e espira antes da data. Ela nunca toca no pneuma e jamais produz espiritualidade autêntica. Está sempre devendo e produzindo mais dívidas para com seus seguidores. Sua aura de insatisfação cria ramificações intermináveis entre os religiosos, dispersos em milhares de seguimentos e seitas. Ela não possui atrativos imutáveis e convincentes ao espírito, por isso, o mantém fora de seu esquema.

O espírito impõe uma dinâmica de transformação à religiosidade semelhante ao panta rei de Heráclito. Tudo flui violentamente! Ele quer inconformidade, desprendimento, fluxo, avanço, liberdade, amplitude e infinitude. Não reconhece fronteiras! Ele se apresenta como “ar, vento, hálito”, algo que desconhece limites e se mostra onipresente, desafiando até o conceito de “vácuo”. O espírito habita na imensidão do infinito e não se permite engaiolar em uma religião, como fizeram ao gênio da lâmpada de Alladim. Estamos filosofando com as ideias gregas, mas o ideário é cristão, pois estão implícitos na mensagem do Evangelho.

ὁ δὲ Κύριος τὸ Πνεῦμά ἐστιν · οὗ δὲ τὸ Πνεῦμα Κυρίου, ἐλευθερία. 
O Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade

O exemplo maior está em Cristo, o Logos que entra no mundo em carne humana, mas se mantém livre o tempo todo, ao ponto de afirmar que “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. (João 8:36), e dá mostras disto no episódio em que livrou a mulher adúltera de seus acusadores e de seus pecados, dizendo-lhe:

Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. João 8:10,11


Obras Citadas

ELIE, H. G. Jung. São Paulo: Summus, 1985.
OTTO, R. O Sagrado. São Leopoldo: Sinodal, 2007.

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