Mas, o que é, e como é, esse numinoso em si, objetivo,
sentido fora de mim? Como ele é irracional, ou seja, não pode ser explicitado
em conceitos, somente poderá ser indicado pela reação especial de sentimento
desencadeado na psique: “Sua natureza
é do tipo que arrebata e move uma psique
humana com tal e tal sentimento”. Esse sentimento específico precisou tentar
sugerir pela descrição de sentimentos afins correspondentes ou contrastantes. (OTTO, 2007)
Afrodite |
Os gregos elaboraram uma ideia numinosa do mundo espiritual.
Através de seus mitos, podemos entender a espiritualidade
como primordial sobre tudo. A Psique,
por exemplo, é irmã gêmea de outras duas desconhecidas. Isto nos faz pensar na
lenda das almas gêmeas, das pessoas que se entranham em relações siamesas e não
conseguem se desprender jamais, ou vivem em constante inveja uma da outra, pois
Psique é a mais bela das irmãs. Sua
beleza ameaça Afrodite e incita a inveja da deusa, criando uma trama que torna Psique uma prisioneira no paraíso de
Eros, o deus do amor. Mas Eros não faz o mesmo com o pneuma (o espírito). Há um dualismo entre alma e espírito, sendo
que a primeira cai e se conforma com os confortos do amor, mas o espírito é
augusto e não se relaciona com o Eros.
O Pneuma
se relaciona com nous (a mente), com
o ápeiron (infinito) e o éter. Suas categorias relacionais exigem
eternidade, infinitude e mentoração. O espírito vem do infinito e se lança ao
infinito, animado pelo éter, aquele
elemento etéreo imortalizador, propulsor da vida eterna, aquela que se completa
em si mesma. O pneuma é infinito e
impõe ao humano o dever de escolher a numinosidade do éter ou a opacidade da existência religiosa psíquica.
A numinosidade é um Intensitätfaktor.
Corresponde à intensidade com a qual uma representação apodera-se do
consciente e faz sentido para ele. Ela é, portanto sinal de um fenômeno
energético. Um símbolo que tem a capacidade de animar a vida e arrastá-la, por
que transforma uma energia psíquica inconsciente em experiência. (ELIE, 1985)
A religiosidade
pode até possuir uma engenharia com aparência espiritual, mas todo seu programa
tem prazo de validade e espira antes da data. Ela nunca toca no pneuma e jamais produz espiritualidade autêntica. Está sempre
devendo e produzindo mais dívidas para com seus seguidores. Sua aura de
insatisfação cria ramificações intermináveis entre os religiosos, dispersos em
milhares de seguimentos e seitas. Ela não possui atrativos imutáveis e
convincentes ao espírito, por isso, o mantém fora de seu esquema.
O espírito impõe uma dinâmica de transformação à religiosidade semelhante ao panta rei de Heráclito. Tudo flui
violentamente! Ele quer inconformidade, desprendimento, fluxo, avanço,
liberdade, amplitude e infinitude. Não reconhece fronteiras! Ele se apresenta
como “ar, vento, hálito”, algo que desconhece limites e se mostra onipresente,
desafiando até o conceito de “vácuo”. O espírito habita na imensidão do
infinito e não se permite engaiolar em uma religião, como fizeram ao gênio da
lâmpada de Alladim. Estamos filosofando com as ideias gregas, mas o ideário é
cristão, pois estão implícitos na mensagem do Evangelho.
ὁ δὲ Κύριος τὸ
Πνεῦμά ἐστιν · οὗ δὲ τὸ Πνεῦμα Κυρίου, ἐλευθερία.
O
Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade.
O exemplo maior está em Cristo, o Logos que entra no mundo em carne humana, mas se mantém livre o
tempo todo, ao ponto de afirmar que “Se, pois, o Filho vos libertar,
verdadeiramente sereis livres”. (João 8:36), e dá mostras disto no episódio
em que livrou a mulher adúltera de seus acusadores e de seus pecados,
dizendo-lhe:
Mulher, onde estão aqueles teus
acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe
Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. João
8:10,11
Obras Citadas
ELIE, H. G. Jung. São Paulo: Summus, 1985.
OTTO, R. O
Sagrado. São Leopoldo: Sinodal, 2007.
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