Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν,
καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος,
No princípio era
o Logos, o Logos estava perante Deus
e Deus era o Logos.
Heráclito levantou a doutrina do logos, retirando o conceito se uma vala comum e dando-lhe o
revestimento filosófico. Séculos mais tarde, o evangelista João deu-lhe um
sentido cristão, e isto nos chama a atenção, pois o Logos deixa de ser dos gregos para ser evangélico. Havia outras
fórmulas para serem aplicadas, mas a terminologia heracliana foi eleita e os
cristãos viram o Evangelho de Deus dividir fronteira com a filosofia dos
homens. A provocação joanina é flagrante! Dois termos caros aos gregos estão
conjugados no primeiro versículo: arché e logos. O princípio está ligado a logos, palavra, discurso e razão. Como
entender João sem Heráclito?
Visto que os gregos não acreditavam
na possibilidade de se conhecer Deus porque ele não é corpo, porque não se
mostra ou é tangível... o nascimento de Jesus é narrado como uma ruptura dessa
condição. Duas descrições de São João, uma contida no preâmbulo do Evangelho e,
outra, no da primeira epístola, são muito expressivas nesse sentido. Elas foram
elaboradas com termos filosóficos, e sua linguagem remonta a Heráclito. O
curioso é que foi na mesma cidade de Heráclito, em Éfeso, que São João escreveu
tanto o Evangelho quanto as epístolas. (SPINELLI,
2002)
Desde Heráclito o logos
se debatia com a ideia do ser e do não
ser. O ser como entidade que é enquanto é e que mergulha no rio do não ser, fluindo em correntezas
caudalosas. Ao sair do rio, o ser está transformado e não pode voltar a ser que
era antes. Este raciocínio heracliano é chamado de “obscuro”, pois encerra uma
polêmica existencial, afirmado que uma coisa é e não é ao mesmo tempo. De onde
surge esta ideia do panta rei, de que tudo flui - tudo muda e se transforma? Vem de ἄπειρον (ápeiron). Que é isto? É a ideia do infinito,
indefinido, ilimitado.
APEIRON (gr. ἄπειρον). O infinito ou o indeterminado: segundo
Anaximandro de Mileto, o princípio e o elemento primordial das coisas. Não é
uma mistura dos vários elementos corpóreos, em que estes estejam compreendidos
cada um com as suas qualidades determinadas, mas é matéria em que os elementos
ainda não estão distintos e que, por isso, além de infinita, é também
indefinida e indeterminada. Essa determinação dupla de infinitude no sentido de
inexauribilidade e de indeterminação permaneceu por muito tempo ligado ao
conceito de infinito. (ABBAGNANO, 2007)
A fonte do rio heracliano (que faz tudo fluir) é o ápeíron,
o infinito. De lá vem o não ser, das
coisas que não podem ser pronunciadas, pensadas, descritas ou localizadas. E
uma vez emergindo infinitamente do não
ser, pergunta-se: para onde elas vão? Vão para o infinito! É com esta
lógica que Heráclito constrói o panta rei,
com tudo fluindo constantemente e não podendo ser afirmada a permanência do
ser.
Este ápeiron foi representado em um escudo descrito por Homero na Ilíada, no final do Livro XVIII. A descrição feita por Homero do “escudo enorme e poderoso” que Hefesto molda para Aquiles é [...] uma imagem do mundo, uma representação moral e simbólica do universo grego [...] um círculo da Terra, circunscrita aos limites do “poderoso rio Oceano”, que define a fronteira (peirata) de um mundo potencialmente ilimitado (ápeiron). (BROTTON, 2014)
Este ápeiron foi representado em um escudo descrito por Homero na Ilíada, no final do Livro XVIII. A descrição feita por Homero do “escudo enorme e poderoso” que Hefesto molda para Aquiles é [...] uma imagem do mundo, uma representação moral e simbólica do universo grego [...] um círculo da Terra, circunscrita aos limites do “poderoso rio Oceano”, que define a fronteira (peirata) de um mundo potencialmente ilimitado (ápeiron). (BROTTON, 2014)
A problemática de se estabelecer o infinito como fonte de
todas as coisas está em sua inexatidão cósmica. Ele não pode ser localizado
dentro das estruturas do tempo e do espaço. Ele é imensurável e intemporal, sem
começo nem fim. O ápeiron está para
além das condições lógicas do pensamento e até as mentes mais adestradas da fé
cristã tem dificuldade em conciliar o atributo da infinitude a Deus. Ele não
pode ser categorizado como “infinito”, pois o infinito não se presta a ser
conhecido. Se Deus é infinito, significa que Ele não conhece a si mesmo.
Obras Citadas
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5ª. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BROTTON, J. Uma
História do Mundo em Doze Mapas. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
SPINELLI, M. Helenização
e Recriação de Sentidos. A filosofia na época da expansão do Cristianismo -
Séculos II, III e IV. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
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